Suculentas e o Esquecimento

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Manifesto por um Verde Mais Vivo

Elas chegaram às prateleiras como presentes fáceis,
foram vendidas em feiras, empacotadas em vasinhos coloridos,
colocadas sobre mesas como se fossem decoração…
E ainda assim, sobreviveram.

Suculentas são celebradas por resistirem à negligência.
Mas e se o que chamamos de resistência for, na verdade, abandono disfarçado de beleza?

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O mito da planta que “não dá trabalho”

Echeverias que colorem de rosa. Graptopetaluns que se esticam à procura de luz.
Sedums com folhas translúcidas, quase murchas.
A estética das suculentas raramente revela o que elas sentem.

Enquanto outras plantas “gritam” murchando,
as suculentas sofrem em silêncio.
E esse silêncio é lucrativo.

A indústria verde vende a ideia de que elas vivem sozinhas,
mas a verdade é que muitas delas morrem bonitas demais para chamar atenção.

Leia também: Como identificar sinais de estresse em suculentas

“Elas não precisam de cuidados.”
Essa frase, repetida como elogio, é uma sentença de esquecimento.

A beleza que nasce do estresse

Poucos sabem, mas aquelas cores vibrantes que vemos em suculentas —
rosas, roxos, alaranjados queimados —
costumam ser resultado da produção de antocianinas,
um pigmento que a planta libera para se proteger de estresse ambiental.

Estresse térmico, luminoso ou hídrico.
É como se ela gritasse em cor.

Segundo o app PictureThis,
essas cores funcionam como filtros solares naturais — um escudo contra danos celulares.

Suculentas “coloridas” demais podem estar pedindo ajuda.
Mas em um mundo visual, onde a estética vale mais do que a biologia,
aprendemos a admirar o sofrimento —
desde que ele seja bonito.

O cultivo como espetáculo

Plantas ganharam espaço nas redes sociais.
São “a nova meditação”.
Mas o que vemos no Instagram não é cultivo.
É performance.

Trocas de vasos com músicas de fundo.
Antes e depois de composições floridas.
Mas quantas dessas suculentas continuarão vivas daqui a três meses?

A jardinagem afetiva virou filtro.
E o filtro, um disfarce para a ausência de presença real.

O que as suculentas me ensinaram

Durante anos, vendi suculentas.
Elas passaram pelas minhas mãos, pelas minhas caixas,
pelos olhos de centenas de clientes.

Mas foi nos silêncios —
nas folhas que caíam antes da entrega,
nos brotos que nasciam sem pressa —
que aprendi que cuidar não é fornecer,
é perceber.

Hoje, não vendo mais plantas.
Conto histórias sobre elas.
E escrevo porque acredito que há beleza também no não dito,
no que sobrevive à pressa,
no que resiste sem aplauso.

Uma injustiça silenciosa

Chamamos de resistentes
aquilo que tolera o nosso descuido.

Mas suculentas não foram feitas para sobreviver sozinhas.
Elas pertencem a desertos, a ritmos milenares,
a relações que não cabem em uma prateleira de apartamento.

A injustiça botânica começa quando negamos a elas
o que mais deveriam receber:
olhar, tempo e escuta.

Que floresça o invisível

“A flor é a parte da planta que, mesmo sendo efêmera, mais luta por ser vista.”
— Clarice Lispector

E se nossa jardinagem começasse com menos pressa?
E se, em vez de comprar uma nova suculenta,
você cuidasse daquela que esticou em silêncio?

Plantas sobrevivem ao esquecimento.
Mas não florescem nele.

Última folha: Como as plantas encerram

As folhas não caem por fraqueza.
Caem porque cumpriram seu ciclo.
E é na queda que muitas vezes nasce o novo — silencioso, enraizado, paciente.

Assim termina este artigo.
Como uma folha que cai,
deixando espaço para o próximo broto.

Com folhas pequenas e sonhos grandes,
dall.conecta

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